CONTO: A Fome é lenta a Dor é intensa

ESTRELA_DO_SUL
5 min readDec 6, 2022

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Aurora acorda, mais um dia desponta. Suas pálpebras tentam se abrir, mas o cansaço lhe costurou os olhos. Visão turva, turvos dias. Vence o cansaço mais uma vez e levanta. A casa bagunçada, lhe falta tempo para arrumar. Lhe falta e é início de mês. Procura injetar a beleza guardada nos dentes do pente para sorrir. Se olha no espelho como um pedaço de pessoa e sai.





- Eles não vão recuar! Todas essas medidas tomadas são ineficientes. Fala Anízio.

- Você está desacreditando na causa? Questiona Paulo.

- Não, não. Mas como vamos para-los? Como vamos paralisa-los? Somos minoria, somos exatamente aquilo que eles querem que sejamos. É o preço do dinheiro, dos benefícios e da estabilidade. Transformaram nossa condição em um prêmio de loteria parcelada no crediário. Responde Anísio.



Dezenas de jovens vão chegando no pátio. Algo estranho se disfarça no ar... Os portões estão escancarados, convidando-os a entrar. Amigos se esperam, outros, Solitários, tapam os ouvidos com músicas que sintonizam seus olhos em fantasias. Enquanto isso, a realidade sobrepõe fatos públicos ou privados sob os atos de pessoas ou de hologramas.

Um, dois, três, depois mais Hologramas de carne e osso, formigam na multidão de filas as dezenas, a se locomover para suas respectivas letras e nomes. O primeiro sinal dispara, namoradas furtivam beijos, enquanto se olham lentamente. Do outro lado do muro, Rhavi bafora lentamente a fumaça do seu pulmão, enquanto olha lentamente para os portões fecharem. Decide ficar e observar a veracidade da coragem, como se fosse um cientista, acende um novo cigarro e se põe a acentar o futuro como um mago das enciclopédias.



Vultos se locomovem nos vidros da coordenação. Inquietos, braços se movem sob cadeiras giratórias desenfreadas:

- O corredor D,G ficaria totalmente abandonado, pois só há pessoas o suficientes para cobrir o A. Você acha que não bateriam na porta? Acha que não a quebrariam com a sua ansiedade? Eu já vi alguns vultos lá na janela. O que faremos, agora?

- O diretor o olha retribuindo a preocupação. Ele mesmo não se via em uma daquelas salas, mal conhecia os jovens que administrava. Olhava o celular sem parar, felizmente a tática de censurar o plano dera certo. Mas, o que fazer as 06 salas abandonadas para que ficassem cheias de jovens eufóricos. Em uma folha de papel ofício convocava seus coordenadores a iniciarem o plano de aula oculto.

- Circo para o povo! Circo para eles? Filmes, jogos? Questiona coordenador 1.

- E pizza! Brinca o diretor. O coordenador 2 lhe lance olhares angustiados ... sabe o quanto a sociedade funciona quando premiada. Era preciso dar-lhes algo, mas o que?



A bagunça se alongava pela sala. Em seguida, murmúrios começam a se calar aos poucos e por um ou dois segundos, os alunos entreolham-se. Algo de novo não estaria certo, afinal porque todos conversavam e se sentavam como se estivessem no pátio?

- Já são 7:40 e nada!

- Será que alguém viu o professor?

- Hoje eu não vi ninguém aqui. Tu viu?

- Nãããm!

- Nem o Francisco estava na porta!

- Ou Socorro na cozinha...

Os murmúrios retornam a ecoar na sala...

Fofocas avolumaram-se, encorpadas de debates são transformadas em conjecturas e teorias políticas. Trancafiados em suas turmas, arrobas logam suas contas, os alunos @XXXX @YYYYY @ZZZZZZ @WWWWWW entre tantos mais procuravam pelos fatos reais.

Parem os computadores! Lives transmitidas em toda cidade reportavam grandes marchas. Milhares de Trabalhadores fardados em diferentes trajes, traziam angústias das diversas categorias, levantavam celulares e encorpavam a internet com imagens e vídeos da rua aglomerada de reclamações, de dores de cabeça por preocupações, cheia de amigos e conhecidos, que improvisavam gritos como uma forma de harmonizar a aflição que batucava.

- Caraca! @CCCCCCCC vê isso aqui!

- Não tô crendo nisso! Véi, isso é a Aurora? Entreolhares perplexos se cruzam.

- Pessoal! Chama @XXXX que se frustra diante da indiferença. Porém, insistente como de costume, se levanta de sua carteira (o que já chama a atenção) e pega um pincel piloto, batendo ele no birô do professor:

- Turma, turma! Aqui, aqui! Um pouco de atenção, por favor! A turma vira-se para frente, olhando-a em fim. Ela segue: Nas contas do instagram e facebook de vocês também tá tendo lives? A turma responde como um coral:

-SIIIIIIM! @XXXXX segue:

- Eu tava acessando o instagram e simplesmente só a há posts, stories e lives sobre as manifestações contra o Presidente. No meio dela eu vi Aurora... A turma automaticamente reage num couro de surpresa e indaga sobre a sua falta. @ZZZZZZ fala:

- Gente, mas Aurora é temporária. Só quem é liberado para fazer greve são professores efetivos! Tipo como Evandro e Kelly, sacam? Eles podem porque não são demitíveis... Aí os temporários tem que fazer tudo que mandam. Comenta @WWWWWW.

- Mandei no grupo geral 2° ano: “CADÊ OS PROFESSORES”? E eles responderam: -O bloco tá vazio.

Capitão Cícero veste-se como o habitual. Regata branca, blusa de botão azul bem passada. Cinto, boina, meias, coturno e boina. Cassetete, munição e pistola. Cabelo ralo, rosto sério, olhos atentos, voz gutural e músculos firmes, cabeça dura e disciplinada.

Todo o batalhão se reunia. Motos, carros e helicópteros. Evento maior até que a visita de O Presidente. Num festival de armas, Os polícia dessa vez se articulavam diferente em sua hierarquia. Do mais baixo até o mais alto escalão, a missão como essa polícia viveu poucas vezes no país. Soldados e Soldadas preparam-se e capitão Cícero, se encaminha ao helicóptero determinado a trazer a ordem em sua missão.



O dia havia começado tranquilo, porém todo o mercado do centro de Juazeiro de Norte encontra-se em pane. Uma maré de indivíduos enxurrava o centro, arrastando os trabalhadores como uma grande enchente. Na medida que o comércio esvaziava de lojas lotadas, a rua se empanturrava de passos apertados, cartazes, faixas e poluição sonora de megafones, que recitavam CLT e narrativas de fome. A rua ficou cheias de vozes armadas, a tacar pedradas nos caixas eletrônicos e diminuir os helicópteros miravam sem parar...

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Written by ESTRELA_DO_SUL

POETISA E CONTISTA DO CE. Atuo com literatura independente, intervenção urbana e produção cultural. Esse perfil é dedicado a os meus experimentos artísticos .